Nos últimos dias, temos assistido ao levantamento de uma série de questões relativas aos negócios da exploração de lítio e de hidrogénio que levaram à demissão do primeiro-ministro António Costa.
Apesar da urgência da transição energética e da necessidade de explorar determinados recursos para a concretizar, esta não pode ser feita à custa das populações. É imprescindível que esta transição seja feita sem comprometer as gerações presentes, futuras e o ambiente envolvente.
Precisamente por isto, a exploração de lítio na Mina de Barroso há muito que é contestada pelas populações locais que não só se mobilizaram através de coletivos e associações como também participaram ativamente na consulta pública do relatório do impacte ambiental em março de 2023.
A participação pública neste e noutros relatórios é possível devido à assinatura da Convenção de Aarhus por Portugal, em vigor internacionalmente desde 2001. Este tratado, assinado também pelos restantes estados-membros da União Europeia, prevê não só o acesso à informação ambiental por parte dos cidadãos, bem como a participação nas tomadas de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente.
Apesar de ser uma convenção que visa aumentar a participação pública e a transparência no processo de tomada de decisão relativo a este tema, esta acaba por servir de pouco devido à maneira como é implementada no nosso país.
A ampliação da Mina de Barroso é um bom exemplo. A consulta pública durou apenas 20 dias úteis, depois de um prolongamento requerido à Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Este tempo de revisão é claramente insuficiente para avaliar relatórios extremamente técnicos e com centenas de páginas.
Para além disso, as sessões de esclarecimento para as consultas tinham lotação máxima de 40 cidadãos e foram fracamente disseminadas pela APA. Apesar de todos estes entraves, a população não desmobilizou, reivindicando este relatório que contou com mais de 800 pareceres desfavoráveis à continuação deste projeto. Estes pareceres tiveram a participação de centenas de cidadãos, partidos políticos, autarquias, juntas de freguesia e até mesmo grandes empresas.
Num país normalmente pouco ativo ao nível da cidadania e da participação pública, este evento fugiu à regra. No entanto, o envolvimento dos cidadãos pouco serviu. Mesmo depois de toda a contestação, o projeto avançou e o relatório de impacte ambiental foi aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente, dirigida por Nuno Lacasta.
O resultado está agora à vista de todos. De que serve realizar consultas públicas se as reivindicações dos mais visados são ignoradas? De que serve termos uma lei para ouvir os cidadãos, se as suas opiniões não são tidas em conta? De que serve a mobilização de vários atores políticos relevantes se, no final do dia, para um governo eleito com maioria absoluta apenas importam os interesses económicos de uma percentagem muito reduzida da população?
É urgente repensarmos a maneira como são levadas a cabo as consultas públicas e envolver os cidadãos. Precisamos de amplificar as vozes das comunidades locais com mecanismos eficientes que as consigam envolver verdadeiramente nas tomadas de decisão em matéria de ambiente.
É preciso mais tempo de consulta pública, mais sessões de esclarecimento e maior comunicação destas iniciativas junto das comunidades. Necessitamos também de relatórios finais claros e transparentes para que todos consigam perceber a contribuição dos diferentes atores políticos no processo.
Só assim conseguimos capacitar as comunidades mais afetadas por este tipo de projetos. Só assim conseguimos escrutinar as grandes empresas e evitar que outras “teias de lítio” aconteçam no futuro.
Só assim conseguiremos alcançar a justiça climática e fazer cumprir a Lei de Bases do Clima.
Artigo de opinião: Por Francisca Costa,
Coordenadora do departamento de Advocacy da Associação Último Recurso